Mieloma múltiplo, mais que uma simples dor óssea!

 

Mieloma múltiplo é uma doença hematológica caracterizada pela presença de lesões ósseas associada a anemia e não raramente insuficiência renal. É uma doença do Plasmócito, um tipo de célula de sangue em que a função principal é a produção de anticorpos. Por algum motivo, não completamente conhecido, ocorre modificações no DNA da célula, o que chamamos de mutação. Essas alterações ocasionam mudanças na forma do plasmócito expressar a sua verdadeira função e começa a produzir de forma anormal anticorpos, denominados de imunoglobulinas. O acúmulo desse tipo de proteína leva ao depósito anormal e pode ocasionar disfunção dos rins, podendo provocar insuficência renal. A célula anormal também tem capacidade de proliferação, ou seja, produz outras células anormais. Isso causa comprometimento da fabricação de outras células normais na medula óssea, que fica infiltrada. A expansão dessas células e a secreção de substâncias no ambiente da medula óssea faz com que os ossos se tornem progressivamente mais frágeis permitindo, dessa maneira, o surgimento de lesões chamadas de osteolíticas e de fraturas espontâneas.

É mais comum nos adultos mais idosos, sendo bastante infrequente nos pacientes com menos de 30 anos. Acometendo pouco mais homens que mulheres e mais negros que brancos, conforme dados americanos. 


O diagnóstico deve ter alguns critérios para ser concluído como Mieloma Múltiplo (MM), um deles é exatamente a infiltração por plasmócitos clonais, como falamos anteriormente. Deve haver um percentual de 10% dessas células malignas. Além da infiltração da medula óssea deve haver a presença da elevação de algum componente monoclonal como é o caso das imunoglobulinas (anticorpos) ou a porção chamada de cadeias leves. A presença desses critérios define o MM, mas o tratamento deve ocorrer se há indicação clínica como ocorre quando há anemia, alterações dos ossos, aumento do cálcio e comprometimento da função renal. Atualmente mesmo na ausência desses sinais clínicos, mas com achados considerados de alto risco, como é o caso de mutações genéticas de alto risco, considera-se indicar o tratamento em casos específicos.

As principais manifestações clínicas do MM são a anemia, alterações ósseas, elevação do cálcio, disfunção renal, maior risco de infecções, tonturas, vertigens e zumbido oriundo de hiperviscosidade (”sangue mais grosso”). Sem dúvidas as manifestações ósseas como lesões líticas, fraturas até mesmo espontâneas e dor são as que mais levam os pacientes a buscar assistência e comprometem de forma significativa a qualidade de vida.

Nem sempre o MM se apresenta de forma típica. Há algumas apresentações que são menos incomuns, como é o caso do MM osteoesclerótico, em que distintamente ocorre o predomínio de lesões ósseas que não são líticas, sendo chamados de blásticas ou osteoescleróticas. Outra forma de manifestação é quando não há infiltração da medula óssea, mas os plasmócitos ficam reunidos como se fosse um tumor. Nessa situação denominamos de plasmocitoma extra-osseo. O curioso do plasmocitoma é que na ausência de critérios para o MM ele pode ser manejado de forma local sem medicações sistêmicas.

O tratamento do paciente com MM teve progressos significativos desde final da década de 1990 aos dias atuais. Antes a terapia se restringia a quimioterápicos seguido de transplante de células tronco autólogo. Nem sempre o tratamento ocasionava resposta satisfatória que, por sua vez, levava o paciente ao transplante e a maior sobrevida. Pesquisas científicas e o melhor conhecimento da doença permitiram o uso seja de drogas antigas que teve a descoberta de grande atividade anti-mieloma, seja de novas drogas com maior potência e menos toxicidade.


Atualmente o tratamento do MM tem alguns pilares com o propósito de reduzir os sintomas, evitar complicações relacionadas ao problema principal e o tratamento específico. Assim se há manifestações ósseas e/ou do cálcio o pacente será provavelmente submetido a um tratamento com inibidor de osteólise, seja com bifosfonato ou monoclonal, a fim de reduzir os problemas relacionados ao componente ósseo da doença. O tratamento específico depende muito do estado do paciente além de comorbidades e da idade. O transplante de células tronco (medula óssea) autólogo continua sendo a principal ferramenta que permite o paciente ficar maior tempo sem evidência de doença. Assim o objetivo de muitos tratamentos continuam sendo levar o paciente ao transplante com menor quantidade de doença possível, idealmente ausente. Infelizmente, nem todos paciente são elegíveis ao transplante, por fatores que mencionamos antes, mas não significa que esses pacientes não terão tratamento. Pelo contrário, atualmente as drogas anti-mieloma possuem potência muito boa, permitindo respostas execelentes, capazes de provocar resposta completa, e muitas das medicações utilizadas nos pacientes que não são considerados para o transplante são as mesmas utilizadas nos pacientes que podem ser transplantados. Doença residual mínima negativa, que é a melhor resposta possível em pacientes com doenças oncológicas, é uma realidade com o advento de novas terapias para MM. Essas novas terapias são a talidomida e moléculas similares como a lenalidomida e pomalidomida, os inibidores de proteasoma como bortezomibe, carfilzomibe e ixazomibe e os monoclonais como daratumomabe e isatuximabe.

O tratamento de suporte continua sendo uma ferramenta bastante importante, principalmente nos momentos iniciais do tratamento, em que ainda há bastante sintomas e a terapia específica não teve seu efeito ainda otimizado. Dessa forma estimuladores como eritropoietina para anemia continua tendo bastante valor, assim como a adequada analgesia e os neuroprotetores. É bom destacar ainda que o MM é uma doença neoplásica que aumenta o risco trombótico que pode ser acentuado a depender do tratamento adotado, assim pode ser necessário a utilização de alguma terapia anticoagulante com o propósito de prevenir tromboses.

Qual tratamento adotar é resultado da avaliação clínica juntamente com opção do médico e o binômio paciente / família baseado nas características individuais e da programação no tempo.

Nada disso é possível sem o diagnóstico ser realizado e, infelizmente, o Brasil assiste uma número triste de pessoas com diagnóstico tardio de MM. Isso significa que muitos pacientes chegam em unidades de tratamento tendo passado por diversos profissionais e recebido diversos tratamentos sem ter realizado o diagnóstico adequado para instituição do tratamento correto e específico. Por isso a informação é crucial para que possamos oferecer o melhor cuidado e para isso existe esse canal de divulgação para que você possa saber um pouco mais sobre MM e outros conteúdos relevantes da hematologia e da medicina em geral.

Se quiser saber mais também tem, além do Canal de Hematologia - Hemato na Web, a IMF, uma instituição que fornece apoio para pacientes e profissionais de saúde acerca de MM.

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